Paulo Cuiça, do Serviço Educativo do Museu de Lisboa, contou-nos tudo sobre as galerias romanas de Lisboa, um enigmático local da baixa lisboeta e ainda revelou os planos que a Câmara tem para o futuro.
Uma entrevista nas entranhas da cidade, que começou por recuar dois mil anos no tempo e só terminou nos projetos do século XXI.
Lisboa Secreta: Há várias teorias sobre as origens e funções destas galerias. É possível determinar o que, de facto, existiu aqui?
Paulo Cuiça: Este espaço é um criptopórtico do século I, ou seja, uma estrutura que segurava outra por cima, e não há dúvidas que é romana. Inicialmente surgiu a teoria das Termas da Rua da Prata, que foi caindo por terra, e depois defendeu-se que lá em cima poderá ter estado um fórum de mercadores que servia de entreposto aos produtos vindos do Império.
Recentemente, foi apresentada outra hipótese que fala da existência de uma zona de termas de rio.
LS: Como é que estas galerias foram descobertas?
PC: Esta estrutura foi descoberta por acidente, logo após o terramoto de 1755, quando o proprietário de um prédio da Rua da Prata começou a fazer obras nas fundações do edifício.
LS: Nessa altura descobriram alguns objetos?
PC: Sim, descobriram uma placa evocativa ao Deus Esculápio, que esteve na origem da primeira teoria das Termas Romanas, associando o Deus da Medicina à possível função deste local.
LS: As galerias prolongam-se para lá do que hoje é visitável?
PC: Sim, sabemos que a estrutura se prolonga para o lado Oriental, a zona de Alfama.
Não sabemos exatamente até onde, mas há desenhos que provam a existência de outras galerias mais pequenas.
LS: Estas galerias escondem muitos segredos?
PB: Esconderão com certeza alguns, primeiro porque entre a época romana e o século XIX não há nenhum registo real sobre este sítio.
Há pequenas hipóteses, como a existência de um eventual poço utilizado na época medieval, mas nada disso está cientificamente provado. Por isso, na realidade deve esconder imensos secretos.
LS: Até surgiram muitos mitos associados às galerias…
PB: Sim, no século XIX criou-se um mito urbano, segundo o qual estas águas faziam bem aos olhos, por isso as pessoas vinham aqui buscar água para lavar os olhos.
Também se acreditou que estas galerias tinham ligação a outros espaços da cidade, mas já sabemos que este é um edifício estanque, construído para ser seco. A água acabou por entrar, mas por alguma razão inesperada, como um erro de construção ou um evento geológico.
LS: Uma vez que há tanta água, como é que conseguem retirá-la para permitir as visitas?
PC: Temos bombas de água que estão instaladas permanentemente e começamos a retirar a água uma semana antes das visitas.
Depois, os bombeiros vêm verificar a segurança e a estrutura do edifício. Nós próprios também vamos monitorizando a fenda que aqui existe, tal como a qualidade da água e do ar.
Aliás, foi devido a um problema de qualidade no ar que não houve visitas num dos anos passados. Mas agora essa questão não se coloca.
LS: Em condições normais, as galerias apenas são visitáveis duas vezes por ano?
PC: Sim, em março/abril e depois em setembro, por ocasião da celebração do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios e Jornadas Europeias do Património, respetivamente, também durante três dias. Isto, enquanto não surgir o projeto de futuro que já está a ser preparado.
LS: E que projeto é esse?
PC: Há a ideia de abrir um Centro de Interpretação das Galerias Romanas, que fale desta estrutura e também da Lisboa romana.
Este Centro já está em projeto, mas por enquanto estuda-se como será possível visitar as galerias. Isto, porque algumas teorias dizem que a água ajuda a conservar o edifício e outras apontam no sentido contrário. Mas o projeto está em evolução e no bom caminho.
LS: Isso significa que poderá passar a haver visitas regulares e diárias às galerias romanas de Lisboa logo que esse Centro de Interpretação abra?
PC: Se se conseguir tirar a água… sim. Mas se não for sempre visitável, pelo menos será possível observar o espaço de alguma forma.
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