
Lisboa é uma cidade antiga repleta de histórias e de lendas, sendo que algumas perduram até aos dias de hoje. Entre bairros, ruas, ruelas e casas abandonadas, há lugares ‘assombrados’ e/ou ‘misteriosos’ que dominam o imaginário urbano, como é o caso do Pátio do Carrasco.
Na zona de Alfama, em frente ao Largo do Limoeiro, este lugar ficou conhecido por ter servido de morada a Luís António Alves (1806-1873), “O Negro”. Muitos acreditam que este foi o último carrasco de Portugal, daí a toponímia do local.
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Toponímia do Pátio Carrasco
Reza a lenda que existe um túnel subterrâneo que ligava o Pátio do Carrasco à Prisão do Limoeiro, o qual seria usado para que o ‘executor’ pudesse mais facilmente cumprir o seu ‘trabalho’. Devido à natureza do seu labor, conta-se que ainda hoje se ouvem gritos por aqui.
Por um lado, no imaginário urbano há quem atribua os gritos às ‘vítimas ‘do carrasco. Por outro lado, os antigos moradores acreditavam que os gemidos seriam do próprio Luís Alves, numa espécie de tormenta devido à sua profissão. Contudo, não se sabe ao certo se chegou mesmo a executar alguém.
A verdade é que, há muitas ‘pontas soltas’ sobre a história do último carrasco de Portugal. Afinal, quem foi Luís Alves? E por que motivo era conhecido como “O Negro”? Agora, é tempo de conhecer melhor a figura que ‘inspirou’ a aura sombria do Pátio do Carrasco.
Quem foi Luís Alves?
Nas várias fontes de informação consultadas sobre este tema, há algo em comum. Ou seja, é difícil estabelecer até que ponto o carrasco chegou a ‘matar’. Mas, já lá vamos. Para contar a sua história atribulada, é preciso viajar até ao Norte de Portugal.
Segundo A Voz de Trás Os Montes, Luís António Alves nasceu em 1806, na pequena aldeia de Capeludos, no concelho transmontano de Vila Pouca de Aguiar, no seio de uma família honrada. Da sua infância consta que terá sido feliz, já o resto da sua trajetória nem por isso.
Em 1822, com 16 anos, ter-se-á mudado para Lisboa e alistado na vida militar. Contudo, ao juntar-se a ‘más companhias’ viu-se envolvido em cenários fora da lei, incluindo um assalto a uma casa de Campo Grande que terá resultado em, pelo menos, um assassinato.
Luís Alves, então ainda longe da figura de carrasco, não teve outro remédio a não ser o de fugir para a sua terra natal, onde viveu em clandestinidade. Todavia, acabou por ser apanhado em Vila Pouca de Aguiar, tendo-lhe sido imputados 18 crimes, os quais contestou.
Porém, este era apenas o início das suas muitas ‘peripécias’:
Teve uma vida conturbada, sempre perseguido pelos absolutistas. Misturou-se em gangs, permanecendo numa situação de marginalidade, sempre a procurar iludir as autoridades. Até que um dia a polícia capturou-o. Foi levado para Chaves”, lê-se em A Voz de Trás Os Montes.
O carrasco antes de o ser… esteve para ir à forca
Após estar preso e entre julgamentos, Luís Alves pensou em fugir para o Brasil. Mas, acabou por ser traído e novamente trazido às barras da justiça. Foi sentenciado à morte e enviado para a prisão do Limoeiro — sim, essa mesma situada perto do atual Pátio do Carrasco.
Por sorte ou azar do destino, dependendo da perspetiva, o transmontano acabou por evitar a forca de forma inusitada. Em 1845, terá recebido a proposta: matar para não ser morto. Luís Alves acaba por aceitar o exercício da função de executor e assim começa a sua ‘lenda’.
Das teorias ao epíteto de “O Negro”
Há quem acredite que “O Negro”, como ficou conhecido Luís Alves pela pose austera e trajes de tonalidades escuras, nunca chegou a matar ninguém no exercício das suas funções, que equivaliam ao salário anual de 49$200 réis.
De acordo com A Voz de Trás Os Montes, que cita Maria João Medeiros em “Almanaque do crime português” (1921), o próprio Camilo Castelo Branco chegou a escrever em “Noites de Insónia” que Luís Alves “apenas foi encarregado de promover uma execução, em Tavira, em 1845”.
No entanto, consta que terá oferecido dinheiro a um indivíduo para ocupar o seu lugar. Verdade ou mentira? Não temos resposta para esta questão, mas aqui fica um episódio que adensa ainda mais a curiosidade.
Outras curiosidades
Com a abolição da pena de morte por crimes comuns em 1867, “O Negro” perdeu o seu ‘trabalho’ e fonte de rendimentos. Contudo, foi condenado a exercer única e exclusivamente essa função até à sua morte, pelo que terá acabado por se tornar artífice e instalado no Pátio do Carrasco.
Ao atravessar diversas dificuldades económicas, Luís Alves regressou a Vila Pouca de Aviar, onde viveu naquele que ficou conhecido como o “Quarto Negro” até ao final dos seus dias (1873): triste, sozinho e ‘abandonado’.
Por Trás-os-Montes, a sua existência esvaneceu-se com o tempo, mas em Lisboa perdura com o Pátio do Carrasco. Um espaço lisboeta que ainda hoje é procurado como ponto turístico, não obstante a sua aura sombria.