A primeira vez que fomos ao restaurante Erva ficámos deliciados com a comida, cheia de sabores tradicionais portugueses, mas com aquele toque especial que a elevava a outro patamar. Foi nesse momento que decidimos que tínhamos que ter uma conversa séria com o Chef Miguel Teixeira, o responsável executivo por este incrível espaço em Lisboa.
O restaurante Erva
Pouco mais há a adiantar sobre um restaurante que nos ficou para sempre “marcado” nas pupilas gustativas, tal foi a magnífica experiência gastronómica que trouxemos deste espaço em Sete Rios, mais precisamente da Avenida Columbano Bordalo Pinheiro.
O restaurante Erva faz parte do maior hotel de cinco estrelas da capital, o Corinthia Lisbon, mas tem a vantagem de ter a sua própria porta independente para o exterior, o que satisfaz plenamente os desejos de quem não quer entrar por um lobby de hotel ir almoçar ou jantar fora.
Como vês, são muitas as razões para visitares o restaurante Erva, mas temos a certeza que, depois de leres esta conversa com o Chef Miguei Teixeira, uma das primeiras coisas que vais fazer é reservar já uma mesa para hoje.
Quem é o Chef Miguel Teixeira?
Miguel Teixeira é já um conhecido Chef com mais de 20 anos de experiência na área da gastronomia e cozinha de autor.
Enérgico, transparente e humilde, descreve-se como amigo e colega, participando em todas as atividades e partilha de experiências nas cozinhas por onde já passou.
A propósito da sua paixão em partilhar conhecimentos culinários, nesta entrevista refere-nos que nem sempre encontrou esta forma trabalhar nos primeiros lugares por onde passou, por exemplo, enquanto estagiava.
No Corinthia Lisbon desde 2019
Miguel Teixeira assumiu a jaleca de Chef Executivo nos restaurantes Erva e Soul Garden em 2019, fazendo destes dois restaurantes verdadeiros locais de romaria gastronómica na cidade.
Para o Chef, trabalhar nestes dois espaços do hotel Corinthia Lisbon tem sido fantástico, destacando a cultura do grupo em querer melhorar sempre mais, permitindo assim uma maior valorização dos seus colaboradores.
O Chef Miguel Teixeira abriu-nos as suas portas para te contar como é que esta aventura começou, assim como para conheceres melhor as suas ambições para o futuro, entre outras curiosidades que vais adorar saber.
A entrevista ao Chef
Vamos lá então saber, pelas suas próprias palavras, o que move um dos chefes com mais experiência em Portugal, e que passámos a admirar depois desta contagiante e divertida conversa à mesa.
Lisboa Secreta (LS): Como e quando é que tudo isto, a sua paixão pela cozinha e pela gastronomia, teve início? Há sempre uma história por detrás destas coisas, não é?
Chef Miguel Teixeira (MT): Há sempre! Realmente é verdade. Faz, em 2023, 20 anos que comecei a trabalhar, mas a paixão começou uns anos antes. Eu não estava a estudar para nada que fosse cozinha, longe disso! Estava a estudar agrupamento 1, que na altura, há uns anos atrás, era química e física, mas aquilo não estava a dar e eu não era muito amigo das aulas. (risos)
Então, no 12º ano, no final de um mês de aulas, já estava reprovado por faltas, e o meu pai, que na altura tinha tinha duas pastelarias na Maia – que nós somos do Porto – disse-me: “se não queres estudar, vens trabalhar comigo, vens-me ajudar.” E pronto, lá fui eu servir ao balcão, atender clientes, ajudar só para terminar aquele ano.
Não sei se terá começado ali um bocadinho o “bichinho”. O que é certo é que depois, nessas férias de verão, estava em casa a ler o Jornal de Notícias, na altura ainda havia anúncios com páginas e páginas, e vejo um da Escola de Hotelaria e Turismo, em Santa Maria da Feira, com o curso de cozinha. Pensei que poderia ser uma hipótese.
Não vou mentir que, na altura, o primeiro pensamento foi: daqui até Santa Maria da Feira são cerca de 50 kms, eles dão alojamento e o mais certo é eu mudar-me para lá. Para mim era ouro sobre azul. Portanto, inscrevi-me, entrei e antes de começar as aulas, digo ao meu pai e à minha mãe: “então temos que ir ver casa e tal, que eles dão alojamento.” Ao que o meu pai responde que eu teria de fazer a viagem todos os dias, de carro, ida e volta.
Gostei e, ao final de um ou dois meses de aulas, comecei logo a fazer extras no Porto Palácio, que era um hotel que trabalhava com catering, fazia muitos casamentos e serviços aos fins de semana. E eu, com estes serviços extra, consegui algum background que me permitiu acelerar os conhecimentos, porque a escola faz a sua parte, através do ensino teórico, e é importante para o rigor e disciplina, mas depois sabemos que é no dia a dia que se ganha mais prática, o que me permitiu, mais rapidamente, começar a ganhar algum à vontade na cozinha.
Foram cinco anos a estudar e a trabalhar. Foi assim que começou.
LS: Foi aí que teve as primeiras referências gastronómicas com algum Chef conhecido, ou alguém durante este percurso?
MT: Foi, porque até ter entrado para a escola de cozinha nunca me interessou muito a comida. Quer dizer, já tinha qualquer coisa porque a minha mãe diz que quando cozinhava eu estava lá sempre a provar, a meter o dedo e a lamber o tacho, blá blá blá. Mas era muito isso. Não havia aquele interesse como há agora, porque também a comunicação era mais escassa nesta área. Eram tempos diferentes, a informação não era tanta, haviam meia dúzia de Chefs que eram conhecidos, portanto, não havia a divulgação nem a mediatização de hoje.
Também tive a sorte de começar a trabalhar no Porto Palácio, na altura com o Chef Executivo Hélio Loureiro, que na altura também era o Chef da Seleção de Futebol Nacional, o que me deu algum “gostinho” pela coisa, porque ele já tinha algum mediatismo e, quer queiramos quer não, todos nós gostamos de ser reconhecidos.
LS: Hoje em dia temos muito aquela impressão, devido à mediatização desta profissão nos vários programas de culinária, que o trabalho em equipa pode causar muita pressão. Como é a sua forma de trabalhar com quem o rodeia, no seu escritório, que é a cozinha?
MT: Acho que são alturas diferentes e eu, quando comecei a trabalhar em extras no Porto Palácio, havia de tudo um pouco, do tipo: “tu descascas batatas aí no teu canto, tu descascas as cebolas no teu, e não se virem para mim para ver o que é que eu estou a fazer, porque não vão aprender nada.”
Mesmo passar receitas, era tudo muito fechado, era tudo muito distante, muito compartimentado. “Tu estás a ir fazer a tua coisa e não olhes para o que eu estou a fazer.” Era um bocadinho assim que acontecia. Mesmo os relacionamentos eram mais distantes. Por exemplo, o pessoal da cozinha não comia no refeitório com o resto da equipa. Tinham uma sala só para eles. Havia muito essa separação. Hoje em dia não. Até porque hoje nada disso poderia funcionar, porque a forma como acedemos à informação, a forma como as pessoas vivem o seu dia a dia, já não estão formatadas para esses métodos.
Eu digo sempre que gostei muito da escola. Serviu-me em muitas coisas, mas muito do que me faziam lá, eu entendia e cumpria, mas acho que era exagerado. Nesses tempos, chegaram a dizer: “as aulas começam manhã, aqui estão as fardas e quem não trouxer as bainhas feitas vai para casa.” Por acaso, a minha mãe percebia daquilo e fez-me as bainhas. E tive sorte em fazê-lo, porque no dia a seguir éramos 60 e eles foram ver as bainhas de cada um. Quem não as tinha feitas e tinha as calças dobradas para dentro, foi para casa. Portanto, era um rigor diferente. Tinhas de ter a barba feita, porque te passavam uma folha de papel e, se esta fizesse barulho, eras repreendido.
Hoje em dia, se calhar falta um bocadinho de mais rigor, porque nós recebemos estagiários todos os anos e, muitas vezes os que recebemos, vêm para aqui como se viessem para a praia. A única diferença é o uniforme.
Hoje nós partilhamos tudo, partilhamos receitas, desenvolvemos as receitas em conjunto. Mesmo aqui no Erva, se alguém se lembra de qualquer coisa, em conjunto vamos desenvolvendo. Muitas vezes as receitas chegam-me quando eles acham que ela já está no nível que vale a pena mostrar-me. Depois eu dou as minhas dicas, eles dão as deles, e acho que é assim que todos nós evoluímos, porque várias cabeças a pensar pensam sempre muito melhor do que só uma.
LS: Qual é a sua relação com a sustentabilidade do Planeta?
MT: É importante e nós tentamos ao máximo fazer com que as coisas sejam feitas de uma forma sustentável. Nem sempre é fácil. Sou muito sincero. Há um mês fomos a um congresso em que se falou sobre isso e o que acontece é que ainda se discute que os métodos atuais continuam a funcionar no meio da linha para frente. Nunca começa do início, não é? Porque a sustentabilidade tem que começar exactamente do início da linha. Nós recebemos as coisas a meio da linha. Já houve alguém que as produziu, já houve alguém que as distribuiu, já houve alguém que as armazenou. Há aqui uma série de passos em que, muitas vezes, nós estamos a tentar ser sustentáveis, mas não estamos a ser sustentáveis em relação ao que poderíamos ser.
Nós tentamos ao máximo evitar o uso de plásticos, usar os produtos todos de A a Z, os ossos para fazer os caldos, as cascas para fazer isto e para fazer aquilo, que é importante, mas depois há muita coisa que ainda fica esquecida.
Nesse congresso também se falou nisso, que parece que toda a gente só se foca na sustentabilidade, na perspetiva ambiental: vamos reduzir o lixo, vamos reduzir o desperdício da água, mas a sustentabilidade é muito mais do que a parte ambiental. Temos a parte humana. Muitas vezes estamos a pedir a pessoas que façam coisas aqui que não fazem em casa, porque lá não têm capacidade de o fazer. Eu tenho gente aqui a trabalhar comigo que se tiver sorte para ter um balde do lixo em casa já é bom. Nós, muitas vezes, estamos em realidades completamente diferentes. Não fazemos noção de quem temos do lado lá e para quem estamos a falar.
No Erva temos procedimentos instaurados, mas é uma batalha difícil. Não vale a pena vir com discursos bonitos, dizer que sim, que estamos a fazer, que cumprimos a 100% porque é impossível.
LS: Há algum produto ou alimento que tenha especial carinho, que goste muito de trabalhar e com quem tenha uma relação de “amor gastronómico”?
MT: (risos) Não diria uma peça, mas sim uma família, que são os peixes. Gosto bastante de trabalhar peixes, até porque sou do Porto, portanto até temos bastantes lotas boas lá em cima. E depois mudei-me para o Algarve. Continuei esse processo. Sempre morei muito perto do mar, mesmo aqui em Lisboa, que temos uma série de lotas, entrepostos de pesca aqui à volta. Sempre tive muito perto do mar. Acho que a altura que estive mais longe foi quando tentei ir trabalhar para Inglaterra, mas fiquei por lá quatro ou cinco meses e vim-me embora que aquilo não era para mim.
E também porque gosto de peixe. Às vezes não como tanto, mesmo em casa, não cozinho tanto como gostava, porque é uma coisa que dá algum trabalho ao nível da conservação. E, na vida que eu levo, uns dias janto em casa, outros dias levo tempos sem jantar. Portanto, não é assim tão fácil de organizar uma boa refeição de peixe.
LS: Com que comida ou alimento é que os portugueses mais se identificam? O que é que acha que eles gostam mais?
MT: Acho que não podemos generalizar aos portugueses, porque acho que temos que dividir isto em regiões diferentes. Em Lisboa, a julgar pelas nossas vendas no Erva, e apesar de haver uma grande procura por esta proteína do mar, a carne continua a ter mais procura. Trabalhamos com boas carnes, o que também faz com que o restaurante seja conhecido por isso, é o que traz pessoas cá, para isso, para provarem as carnes maturadas, as carnes que nós fazemos a baixa temperatura com confeções muito longas, para ficarem super ternas.
Temos uma carta com alguma particularidade de carnes, e conhecida por carnes, mas depois também temos muito peixe, mais limitado na carta exatamente por causa da sustentabilidade, para não termos a obrigação de ter sempre determinado peixe disponível. Portanto, hoje há e amanhã pode não haver. Temos sempre quatro, cinco, seis peixes todos os dias, mas que não estão no menu, acabando por ser a sugestão do dia.
LS: Depois de mais de 20 anos, quando olha para trás, o que é que vê?
MT: Muita asneira (risos). Não, é verdade! É com as asneiras que aprendemos. Eu digo sempre à minha equipa: “errar toda a gente erra, só não erra quem não faz.” O bom é aprendermos com os nossos erros e irmos crescendo com isso. Também gosto muito de fotografia e estou sempre a documentar muito do que faço. E olho para trás e às vezes penso: “Porra, eu fiz isto?” Mas faz parte da evolução das coisas, o acesso ao conhecimento, o desenvolvimento de produtos, o desenvolvimento de técnicas… faz parte disso tudo. Apesar das muitas asneiras que fiz, foram 20 anos a fazer o que gosto, e por fazer o que gosto é que continuo a querer fazê-lo por mais 20 ou mais 40. Logo se vê!
Nunca dei passos maiores que a perna, fui criando equipas, tenho pessoas que trabalham comigo há muitos anos. A pessoa que trabalha comigo há mais tempo já conta com 12 anos ao meu lado. Tenho o João que trabalha comigo há seis anos e isto diz muito do que é que foi o nosso processo, que foi construir equipas, foi fazer um trabalho sustentado para ver se conseguimos que as coisas vão evoluindo de uma forma sustentável e organizada.
Foram 20 anos de muito, muito trabalho duro. É óbvio que vai ficando mais facilitado, as responsabilidades vão sendo diferentes. Deixa de ser tão duro fisicamente, porque não passo tantas horas de pé, não estou tantas horas ao fogão, mas também temos o reverso da medalha, que é a responsabilidade de organização, o que nos dá cansaço psicológico, porque é muita responsabilidade em cima.
LS: Como gostaria de ficar conhecido para a posteridade?
MT: Sabem que toda a gente gosta de fama, e eu não digo que não gosto de aparecer numa revista, que não gosto de aparecer na televisão, mas acima de tudo gosto de ficar conhecido pelo que tenho vindo a ficar conhecido, que é ter deixado boa impressão com as pessoas com as quais partilho a profissão e que me são mais próximas. Isso é que é o importante. Depois, se sair numa revista, na televisão, ok, tudo bem, ficamos todos contentes. Tiramos uma fotografia e publicamos no Instagram. Dá moral, motiva a equipa porque no futuro também querem ser eles a estar ali, não é? Mas não é com isso que eu perco o sono. Se isso acontecer, muito bem, se não, tudo bem na mesma.
O que me preocupa realmente, e é por isso que eu quero ficar conhecido, é por as equipas gostarem de mim e por as equipas me verem como uma pessoa de exemplo, porque quanto mais subimos, mais somos um exemplo, mas também mais alvos temos apontados às nossas costas, por qualquer coisa que fazemos de errado. Toda a gente está pronta para apontar o dedo, porque é fácil, fazer melhor é que é mais difícil. E isso é que me preocupa. É por isso que eu luto todos os dias, para não falhar com eles. Nem sempre é fácil, porque temos que gerir os dois pratos da balança, entre a parte operacional que está abaixo, e a parte de gestão, que está acima de nós.
Também falámos sobre Lisboa
No fim da nossa entrevista ao Chef Miguel Teixeira, a parte mais séria, descontraímos um pouco para falar sobre a nossa cidade, e a relação que este Chef do Norte tem com Lisboa, o que mais gosta de comer na capital, qual o seu pastel de nata preferido ou quais as tascas da sua eleição, entre muitas outras curiosidades.
Esta foi uma conversa muito divertida e também vais poder vê-la mais tarde, através de um pequeno vídeo que vamos partilhar nas nossas redes sociais.
Por isso, fica atento a mais novidades deste Chef, que acabou por ver aumentada a sua legião de fãs na redação da Lisboa Secreta.
Erva: o restaurante onde a cozinha portuguesa mais se destaca